quarta-feira, 21 de abril de 2010

"Um Dia Ouvi a Lua" abre para este grupo de atores da "Cia Teatro da Cidade" um novo caminho

foto: Tito Oliveira

O ponto de partida para a criação do espetáculo "Um Dia Ouvi a lua" foi o "canovaccio"(roteiro de cenas) apresentado pelo dramaturgo Luis Alberto de Abreu para a”Cia Teatro da Cidade", que se propunha a abordar o universo caipira a partir da narrativa de três canções bastante conhecidas -"Adeus, morena, Adeus" (Piraci e Luis Alex, "Cabocla Tereza" (João Pacífico e Raul Torres) e "Rio Pequeno" (Tonico e João Merlini).

Nos enredos das três músicas, histórias de encontros e desencontros amorosos, contadas sempre sob o ponto de vista do olhar masculino. A idéia era inverter esse olhar e passar a protagonizar os personagens femininos - no caso, Beatriz,Tereza e Sá Mariazinha.

Como a gênese do trabalho era musical, nosso primeiro encontro se deu sob a batuta do maestro Ernani Malleta, profissional que acompanha o trabalho musical do grupo Galpão desde 1994 e que compôs várias das trilhas sonoras de seus espetáculos. A proposta foi levantar, sem nenhuma preparação prévia, arranjos vocais a capela para três vozes para as três canções, em apenas três dias de intenso trabalho. Essa primeira oficina foi fundamental para que o Ernani me orientasse na avaliação das potencialidades e dificuldades desse coletivo de atores, ávidos por se lançarem na aventura fascinante de mesclar a música ao universo do teatro.

A minha intuição me dizia que, para se abordar um universo cada vez mais esquecido e escondido nas memórias da nossa cultura, como é o caso do universo caipira, o canto coral a capela seria um elemento apropriado para criar esse tom de reminiscência.

A cena começou a ser levantada a partir do enredo das histórias narradas nas canções, através da construção de cenas e de textos escritos por mim junto com os atores. O primeiro passo era criar uma familiaridade com o universo descrito nas canções. E foi notável como, de cara, surgiu como elemento determinante o resgate do mundo perdido da infância, um mundo que insiste em nos rondar como fantasmas escondidos nas nossas lembranças e nos gestos mais profundos e reveladores do nosso dia-a-dia. Foi a partir de relatos pessoais, verdadeiros ou não, que foram surgindo histórias, personagens de tios, mães, avós, antigos amigos, cheiros, gostos, todo um mundo perdido e esquecido, que precisava ser recontado e revivido.

As brincadeiras e lembranças da infância nos remeteram quase automaticamente à utilização de determinados objetos - malas, folhas de palmeiras e uma corda. E por que esses objetos? As malas foram consequência natural da história de Beatriz, personagem que espera por um amor perdido há tantos anos, na velha estação de trem desaparecida de São José dos Campos. As folhas de palmeira e a corda, por sua vez, surgiram como instrumentos de brincadeiras infantis como esconde-esconde, montar a cavalo, cabo de guerra, pular corda,corda bamba,etc.

Montada a partir desses elementos uma primeira versão da peça, retomou-se o diálogo com o olhar dramatúrgico do Abreu que, ao assistir o resultado do trabalho, aproveitou uma série de elementos, ao mesmo tempo em que sugeriu novas leituras, que imprimiram mudanças no rumo da encenação.O diálogo entre a cena e a dramaturgia foi um dos elementos mais estimulantes e desafiadores do processo do trabalho, nos colocando diante de indagações e questionamentos constantes sobre a natureza da narrativa no teatro e sobre a postura do ator narrador.

Não poderia deixar de mencionar nesse processo essencialmente coletivo de criação, a colaboração fundamental de profissionais, que foram essenciais não só no levantamento da estrutura do espetáculo, como também na tentativa de oferecer respostas práticas às indagações e dúvidas a que o trabalho nos impunha. Em primeiro lugar e cerne do teatro, os seis atores que, com paciência, perseverança, generosidade e espírito de luta são os pilares do trabalho, depois, Claudio Mendel, co-diretor, conselheiro e bússola da caminhada, além das colaborações fundamentais de Beto Quadros e André Braga na criação e preparação musical, Robson Jacque na preparação corporal e Leopoldo Pacheco, na criação de figurinos e cenário.

Creio que "Um Dia Ouvi a Lua" abre para este grupo de atores da "Cia Teatro da Cidade" um novo caminho que está apenas começando a ser percorrido.Uma trilha inesgotável de novos aprendizados e experiências certamente estarão por vir, renovando em nós o desafio permanente de busca por um teatro que nos reinvente e nos coloque sempre como aprendizes curiosos e ávidos diante daquilo que não sabemos e que está sempre por se realizar.

Eduardo Moreira - diretor do espetáculo Um Dia Ouvi a Lua, fundador e integrante do grupo Galpão de Belo Horizonte

clique aqui e conheça mais sobre o diretor

Nenhum comentário:

Postar um comentário