quarta-feira, 21 de abril de 2010

‘Mais uma outra utopia’, dirão. ‘Mais uma utopia’, direi!


foto: Tito Oliveira

O dramaturgo Luís Alberto de Abreu fala sobre sua pesquisa que resultou no novo espetáculo "Um Dia Ouvi a Lua" da Cia Teatro da Cidade.
De alguns anos para cá tenho-me voltado à pesquisa da mitologia num esforço de entender e, principalmente, perceber sensivelmente como as imagens arquetípicas podem influenciar nossos valores e, através disso, moldar a sociedade em que vivemos. Num rápido exame da produção cultural contemporânea mundial fica evidente que a figura central e organizadora da cultura é o herói guerreiro e os valores disseminados são os da disputa, da acumulação de riqueza e poder, do individualismo, da opressão e da guerra. Até nos jogos, sejam eles de computador ou reais como uma simples partida de futebol, a metáfora predominante é a guerra, a disputa, a submissão e a morte do oponente. Eventualmente essa metáfora extrapola de seus limites e torna-se guerra real entre torcidas rivais.
Não vou me estender sobre esse assunto, só tenho a dizer que cansei disso tudo! Na dramaturgia não me interessam mais mocinhos ou bandidos, o mesmo herói guerreiro dependendo do ponto de vista. Nem pretendo reforçar os valores do indivíduo em sua luta contra o mundo. Nem retratar a decadência e o caos desse mundo. Nada disso mais me interessa. Na dramaturgia, mais do que o herói guerreiro, interessam-me a mulher e a criança. Os valores femininos e os infantis, os valores do lúdico, da partilha, da associação, da imaginação.
Essas três histórias inspiradas em três canções sertanejas são contadas com o ponto de vista invertido. Nas canções prevalecia o ponto de vista masculino, na peça o ponto de vista é das mulheres. Não é apenas uma inversão, é uma procura. Quero descobrir a força dramática e avassaladora da resistência, da paixão, da inocência, da fragilidade. Sim, por que no mundo ainda há inocência e muita. E a simples existência desses valores num mundo cada vez mais cínico e conflagrado é um ato heróico. Quero criar heróis e heroínas apaixonados, fortes na negação da destruição; frágeis para a guerra, mas potentes para o trabalho de construção de um novo mundo.
‘Mais uma outra utopia’, dirão. ‘Mais uma utopia’, direi!
Luís Alberto de Abreu

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